Entenda o que é um hard landing e por que ele acontece
No dia 12 de setembro de 2025, uma das aeronaves mais modernas da Força Aérea Brasileira (FAB), o KC-390 Millennium, sofreu um pouso duro (hard landing) durante uma missão na cidade de Ushuaia, na Argentina — o ponto mais austral do planeta onde aviões de grande porte operam regularmente.
O caso ganhou destaque porque envolveu uma aeronave nova, de alto valor estratégico e tecnológico, usada em missões logísticas e humanitárias. Mas afinal, o que é um hard landing? E por que esse tipo de evento pode causar tantos danos a uma aeronave moderna como o KC-390?
Vamos entender tudo — em linguagem simples, mas com conteúdo técnico de verdade.
O que é o KC-390 Millennium
O Embraer KC-390 Millennium é um avião de transporte militar tático desenvolvido no Brasil para substituir o veterano C-130 Hercules.
Ele é capaz de transportar até 26 toneladas de carga, realizar reabastecimento em voo, lançar paraquedistas e suprimentos e operar em pistas curtas e não pavimentadas.
Com velocidade de cruzeiro superior a 470 nós e aviônicos de última geração, o KC-390 é o orgulho da aviação militar brasileira e um dos projetos mais avançados da Embraer Defesa & Segurança.
A missão até Ushuaia: o desafio do extremo sul
A aeronave envolvida, matrícula FAB 2859, realizava uma missão de apoio logístico à Estação Antártica Comandante Ferraz, lançando cargas na região da Ilha Rei George.
Após cumprir a missão, o avião seguiu para Ushuaia, onde enfrentou condições meteorológicas severas: ventos de cauda intensos e rajadas variáveis, típicas daquela região montanhosa e gelada.
Durante o pouso, o KC-390 tocou a pista de forma brusca e chegou a rebater (“bounce”) — um fenômeno em que o avião volta ao ar depois do primeiro toque, antes de estabilizar completamente no solo.
Nesse instante, um sensor de trem de pouso interpretou o toque como “pouso final” e acionou automaticamente os spoilers, que reduzem a sustentação.
O resultado: a aeronave perdeu sustentação rapidamente e voltou à pista com uma taxa de descida vertical (sink rate) maior do que o limite previsto.
O impacto excedeu os parâmetros normais de aterrissagem e foi classificado oficialmente como hard landing.
O que é um “hard landing” e por que ele ocorre?
Em termos técnicos, um hard landing é quando uma aeronave toca o solo com força vertical (G-force) superior àquela para a qual o trem de pouso e a estrutura foram projetados.
Cada modelo tem limites definidos pelo fabricante — se esses limites são ultrapassados, é obrigatório abrir uma inspeção estrutural completa.
As principais causas de um pouso duro são:
- Alta taxa de descida (sink rate) no momento do toque — o avião está descendo rápido demais;
- Erro de flare — o piloto não realiza corretamente o arredondamento antes do toque;
- Velocidade de aproximação incorreta — muito alta ou muito baixa;
- Vento de cauda ou rajadas cruzadas, que alteram a sustentação no último segundo;
- Automação ou falha de sensor, que interfere no comando manual (como ocorreu no KC-390);
- Excesso de peso — especialmente se o avião ainda estiver acima do maximum landing weight;
- Fadiga ou erro humano, principalmente em voos longos e complexos.
O impacto do hard landing no KC-390 da FAB
Apesar de a tripulação ter conseguido pousar e a aeronave ter retornado ao Brasil, inspeções realizadas na Base Aérea do Galeão apontaram danos estruturais relevantes — especialmente na área onde as asas se conectam à fuselagem.
Segundo fontes da FAB e de portais especializados como Aero Magazine e Airway, a análise está avaliando se é economicamente viável reparar a célula, já que o custo de recuperação de uma estrutura desse porte é elevado.
Como os engenheiros avaliam um pouso duro
Após um hard landing, o Flight Data Recorder (FDR) é analisado para confirmar a força vertical aplicada.
Se a leitura indicar que o limite foi excedido, o Manual de Manutenção da Aeronave (AMM) determina uma série de inspeções especiais, como:
- Ensaios não destrutivos (END) – ultrassom, líquido penetrante e radiografia;
- Verificação de trincas e deformações no trem de pouso principal e de nariz;
- Checagem das longarinas e da fuselagem inferior;
- Inspeção dos pontos de fixação das asas;
- Avaliação dos amortecedores hidráulicos (shock struts) e do sistema de absorção de impacto.
Essas verificações garantem que nenhum dano oculto comprometa a segurança dos próximos voos.

O papel do vento de cauda e da técnica de flare
O flare é a manobra final do pouso: o piloto reduz a taxa de descida suavemente para um toque controlado.
Mas quando há vento de cauda, o avião percorre mais pista antes de tocar, e a energia cinética é maior.
Se o flare for iniciado tarde demais — ou se o avião estiver pesado —, a aeronave pode “cair” na pista em vez de pousar.
E é exatamente isso que caracteriza o pouso duro: energia vertical não dissipada, concentrada no trem de pouso.
Em aviões como o KC-390, que possuem sistemas automáticos de controle de voo (fly-by-wire), a lógica dos sensores também precisa ser precisa — qualquer interpretação errada do momento do toque pode gerar uma reação inesperada, como o acionamento prematuro dos spoilers.
O que a FAB faz depois de um pouso duro
A Força Aérea Brasileira trata um hard landing com a mesma seriedade de um incidente.
O procedimento padrão inclui:
- Isolamento da aeronave, até o fim da inspeção estrutural;
- Coleta dos dados de voo e entrevista com a tripulação;
- Relatório técnico e envio ao CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos);
- Análise de viabilidade de reparo pela Embraer Defesa & Segurança.
O objetivo não é buscar culpados, mas entender causas, fatores humanos e mecânicos, e prevenir reincidências.
O que aprendemos com o caso do KC-390
O incidente do KC-390 FAB 2859 mostra que mesmo aeronaves novas, robustas e equipadas com tecnologia avançada estão sujeitas a variáveis atmosféricas e operacionais.
Entre as principais lições, destacam-se:
- Automação precisa ser aliada, não substituta do julgamento humano;
- Ventos de cauda em aeroportos de alta latitude exigem planejamento redobrado;
- Pousos com “bounce” devem ser treinados e simulados — é melhor arremeter do que insistir;
- Cada hard landing é uma oportunidade de aprimoramento técnico e operacional.
Conclusão
O pouso duro do KC-390 em Ushuaia não representa uma falha isolada, mas sim uma situação complexa e multifatorial, comum a operações em ambientes extremos.
Esses eventos reforçam a importância da manutenção preventiva, do monitoramento de dados de voo e da capacitação constante das tripulações.
Na aviação — civil ou militar —, cada pouso conta uma história.
E a do KC-390 Millennium da FAB é uma história de resiliência, aprendizado e evolução tecnológica, que certamente tornará futuras missões ainda mais seguras e eficientes.








