A troca de combustível é o atalho que sabota Motores
Em um mundo onde a desinformação circula com velocidade quase tão alta quanto uma aeronave em cruzeiro, uma crença equivocada tem ganhado espaço: a ideia de que gasolina automotiva pode ser usada em aviões, ou que combustíveis aeronáuticos podem ser colocados em carros sem maiores consequências. Essa prática — ainda defendida por alguns aventureiros — não é apenas tecnicamente errada. É um improviso perigoso que pode destruir motores, causar pane, comprometer a segurança de voo e, no pior cenário, custar vidas.
A discussão sobre a troca indevida de combustíveis de aviação e gasolina automotiva costuma surgir como uma tentativa de economia rápida ou como curiosidade alimentada por mitos. Porém, quando analisamos as diferenças químicas, operacionais e de certificação entre Avgas, Jet-A1 (QAV-1) e combustíveis terrestres, fica evidente que nenhum desses produtos é intercambiável. Cada tipo foi desenvolvido para um tipo de motor específico — e ignorar isso abre caminho para falhas catastróficas.
A gasolina automotiva brasileira contém etanol, um componente que pode até funcionar bem em carros modernos, mas que é um veneno para motores aeronáuticos a pistão. O etanol atrai água, acelera a corrosão, degrada mangueiras, danifica tanques revestidos com resina e aumenta drasticamente o risco de vapor lock, uma condição que interrompe o fluxo de combustível e pode causar pane total em voo. Ainda assim, muitos acreditam no mito perigoso de que “gasolina é tudo igual”. Não é — especialmente quando o assunto é segurança na aviação.
Do outro lado, a gasolina de aviação Avgas 100LL, conhecida por sua estabilidade e resistência à detonação, é um combustível de alta pureza química, desenhado para motores aeronáuticos de alta compressão. Ela contém chumbo tetraetila, necessário para evitar pré-ignição em altas temperaturas. Esse mesmo chumbo, no entanto, destrói catalisadores, contamina sensores e inutiliza, em pouco tempo, sistemas de controle eletrônico de qualquer automóvel moderno. O que muitos entusiastas chamam de “gasolina forte de avião” pode, na verdade, transformar o carro em um problema caro, poluente e mecanicamente danificado.

Situação ainda mais crítica ocorre com o Jet-A1, o querosene de aviação usado em turbinas e turboélices. Embora alguns tentem usá-lo como substituto do diesel — especialmente em regiões isoladas — essa solução improvisada compromete a lubrificação, provoca desgaste interno acelerado e pode resultar em falha da bomba de alta pressão. Já em aeronaves a pistão, abastecer com Jet-A1 é uma rota direta para a pane de motor, já que o combustível simplesmente não apresenta características de queima compatíveis com esse tipo de propulsão.
O ponto central desta discussão é que a mistura de combustíveis não é ousadia técnica; é negligência. Na aviação, a margem para erro é mínima. Um carro pode até parar no acostamento. Um avião não tem esse privilégio. Quando o motor falha no ar por um erro de abastecimento, não existe acostamento nas nuvens, nem “jeitinho” que salve a situação. Há apenas uma aeronave perdendo potência e uma tripulação lutando contra uma emergência totalmente evitável.
Esse tipo de improviso perigoso revela uma tendência preocupante: a crença de que economia momentânea ou curiosidade mecânica justifica violar princípios básicos da engenharia. A mistura indevida de combustíveis não é apenas um erro técnico — é uma sabotagem involuntária contra a própria segurança. E, na aviação, onde vidas dependem do funcionamento preciso de cada componente, esse tipo de negligência simplesmente não pode existir.
A conclusão é inegociável: combustível automotivo não deve ser usado em aeronaves, assim como combustível aeronáutico não deve ser colocado em carros. Cada combustível existe porque cada motor tem exigências específicas — temperatura, octanagem, pressão, volatilidade, composição química e comportamento térmico. Ignorar isso não é coragem nem criatividade. É, literalmente, o caminho mais rápido para destruir seu motor.









